O grande erro da Ditadura


Rio de Janeiro, 1968. Aroldo voltava da faculdade para sua casa, na zona sul, a bordo de seu fusca modelo 1966, até ser parado por uma blitz da polícia militar. Ao encontrarem um exemplar de O Capital no porta-luvas do fusca, os policiais detiveram Aroldo para averiguação. Na cadeia, Aroldo foi torturado e humilhado. No mesmo dia, e provavelmente no mesmo horário, João, morador da periferia do Rio, pedreiro, dirigia-se de seu serviço para o barraco onde morava, quando uma patrulha o considerou suspeito, o parou e o revistou minuciosamente. Não foi encontrado nada de incriminador, mas mesmo assim João tomou duas pancadas de cacetete e, a exemplo de Aroldo, também foi detido para averiguação, torturado e humilhado.

Rio de Janeiro, 2008. Aroldo hoje atende pelo nome de Carlos Eduardo e não anda mais de fusca, tem um Astra preto. Mudou-se da zona sul para a barra da tijuca. O Capital foi substituído por um CD pirata do MC Creu, tocado no volume máximo do potente som de seu automóvel. Carlos Eduardo não é mais importunado pela polícia. João agora se chama Washington e trocou os afazeres de pedreiro por uma bandeja de doces e balas que vende no sinal. Washington, ao contrário de Carlos Eduardo, ainda é considerado suspeito e sofre, torrencialmente, com a brutalidade policial.

Há exatos 44 anos os militares chegavam ao poder sob pretexto de debelarem o iminente golpe comunista que, segundo a ótica deles, se configurava. Os generais contavam com o apoio quase que irrestrito das elites, e fizeram o que deles elas esperavam, especialmente nos campos econômico e político. Mas os militares, como bem sabemos, eram militares e, por esta razão, não poderiam deixar de agir como tal. A partir do primeiro Ato Inconstitucional, o AI-1, que possibilitou aos militares cassarem direitos políticos dos cidadãos, declarar Estado de Sítio e controlar o Congresso Nacional, as elites começaram a perceber que os milicos não eram os baluartes da luta contra o comunismo que imaginavam, e temeram o Governo Autoritário que ali começou a se desenhar.

Os filhos das elites, jovens universitários com tendências esquerdistas, organizaram-se em movimentos estudantis ou agremiações políticas clandestinas, e protestaram. Os militares, desta vez, fizeram o que deles as elites não esperavam: não se sujeitaram a elas, pelo contrário, reagiram da pior forma possível. Para combater os protestos, verdadeiras hordas de tropas de choque foram enviadas, todas devidamente munidas de bombas de gás lacrimogêneo, cacetetes, pastores alemães, cavalos e, em alguns casos, tanques. Armas de fogo também foram usadas. A classe média-alta, até então alheia a aspereza da qual são capazes as forças policiais, se viu vítima de prisões arbitrárias, torturas, espancamentos, estupros e mortes causadas por quem sempre a protegeu.

Os pobres, especialmente os moradores de periferias e favelas, sempre sofreram abusos sob a tutela do Estado. Não por protestarem contra o Poder, mas pelo simples fato de serem pobres, o que é ainda pior. Quanto a esta realidade peculiar a todos os regimes que governaram nosso país ao longo dos anos, não vemos palavras de repúdio nos artigos de jornais, tampouco menções em obras ficcionais televisivas. Apenas os folhetins policiais a noticiam, muitas vezes com ares de banalidade.

A despeito de todos os equívocos que cometeu, e foram muitos, como a supressão dos direitos políticos e o envolvimento na Operação Condor, a Ditadura Militar será lembrada e execrada para sempre por historiadores, jornalistas e mini-séries da Globo, pelo grande e imperdoável erro de ter democratizado a repressão policial, uma iniqüidade até então, e até hoje, restrita apenas às classes mais baixas da população.

3 comentários:

Anninha Rios

31 de março de 2008 às 10:23

O grande equívoco da ditadura? Mas eles queriam ser lembrados, eu acho. Se quisessem ser esquecidos, só teriam mesmo feito o que todos os governos fizeram: Descido o cacetete na pobretada.

Clarissa.

31 de março de 2008 às 12:07

Período mais ridícuculo e lamentável da história do Brasil.

Rui

31 de março de 2008 às 23:40

Falar deste tema é sempre complicado.
Olhando de quem vê de baixo, não mudou nada. O povo antes da ditadura estava por baixo, ficou por baixo, e ainda está por baixo.
Alguns da elite podem ter sofrido com a ditadura, mas no geral, a elite adorou o sistema econômico!!!